quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Gente é que nem madeira





Jaco:
- Uma coisa que eu aprendi é não esperar das pessoas uma coisa diferente do que elas podem dar. Todo mundo tem algo pra dar, alguns mais, alguns menos. E você tem que captar o que é que cada um tem pra oferecer. E pegar, e receber. É que nem quando faço escultura com madeira: você não pode querer tirar dela algo que ela não tem, algo que não tá dentro daquelas possibilidades.
- E se você cismar que quer porque quer um formato tal?
- Não se faz o que se quer com a madeira. Se você resolver que quer fazer uma escultura toda vazada, pode ser que a madeira não resista, que ela rache ou quebre.
- E como faz pra saber se vai dar para fazer o que tá na sua cabeça?
- É que nem com as pessoas: uma questão de intimidade. De conhecer o outro, o jeito de ser do outro, as manias do outro. E isso só com o tempo. Tem que conviver, testar, ver os limites, as possibilidades. Experimentar, arriscar. Tem que estar atento às tramas e nós da madeira. Você vai sentindo, conhecendo, ganhando intimidade e o resultado nunca é exatamente como você imaginou. Não é nem mais você, nem a madeira. É uma outra coisa.
- E o que é essa outra coisa?
- Essa outra coisa é o novo.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Lança-chamas

Tuas palavras perfuram a tela e se injetam em minhas veias.

São letras tóxicas
a imprimir pressa
ao teu fluxo de sangue
que por mim atravessa

São letras vivas
que lançam chamas
Teu corpo-lava
meu seio-cama

No ponto de ebulição, a vida se congela.
E nossas mãos tremem de desejo e medo.

Escrevo essas palavras
para decifrar um segredo.

sábado, 16 de agosto de 2008

E no abismo de nós
Havia sol e mel.

(Hilda Hilst. Cantares. XII)

domingo, 3 de agosto de 2008

Solução marinha

Volto como se nunca tivesse partido. A mala se desarruma sozinha: sandália, short, camisola, brincos - miudezas que me fazem acreditar que sou eu e não outra. As minhas coisas. A blusa verde de volta ao armário, as brancas à gaveta, o livro à cabeceira. O CD de volta ao som. O cigarro sobre a mesa. O banho quente. A certeza. Cheguei de viagem. Fui ao encontro do mar e recebi um abraço feito de água onda espuma sal. Quando vi, eu era água onda espuma sol. Solução marinha. Voltei pela primeira vez de um lugar para onde sempre fui. Eu não conhecia o mar. Ele é um homem que abraça forte e beija doce, sabia? Só queria brincar, mas fui fisgada. Feito peixe olhos vidrados corpo transparente. Amar, afogar-se fora d’água.