terça-feira, 24 de março de 2009

"Mas é certo que na desordem de um primeiro encontro houve um momento em que os dois, enfim esquecidos do que penosamente queriam copiar para a realidade, houve um momento não preparado por ambos, dom da natureza, em que ambos precisaram saber porque o outro era o outro, e se esqueceram de dizer "por favor"; um momento em que, sem um injuriar ao outro, cada um tomou para si o que lhe era devido sem que um roubasse nada do outro, e isso era mais do que eles teriam ousado imaginar: isso era amor, com o seu egoísmo e sem este também não haveria dádiva. Um deu ao outro a avidez de ser amado, e se havia certa tristeza em submeter-se à lei do mundo, esta obediência também era a dignidade deles. Era o egoísmo que se dava inteiro. E como se na moça o desejo de presentear fosse maior do que o que ela tivesse a presentear, ela não sabia o que lhe dar, ela se lembrou de mães que dão aos filhos, e ela não se sentia maternal com aquele homem, mas com a grande força do irrazoável também queria lhe dar, somente para enfim ultrapassar o que se pode e enfim quebrar o grande mistério de se ser apenas um". (Clarice Lispector, A maçã no escuro, p.163)

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