domingo, 4 de março de 2007

Ovos de Codorna

Pegou o ovo de codorna cozido com as pontas dos dedos e cravou as unhas com cuidado na extremidade mais arredondada. Arrancou um pequeno pedaço, mas a pele ficou grudada. Lenhou, então, o outro lado e desta vez conseguiu tirar a pele e a casca ao mesmo tempo. Mordeu os lábios com satisfação. Fez uma pequena pressão com os dois dedos e provocou pequenas rachaduras. As unhas se encaixaram por entre os fragmentos grudados e sacaram fora quadrados amarelos com pintinhas pretas. Livrou-se dos restos na água parada da pia. “Até que eu não sou tão ruim para isso”. Puxou com vontade uma pele grudada e fez a gema brotar pra fora. Mordeu os lábios com raiva. Repetiu a operação mais cinco vezes e colocou os ovos de codorna sobre a alface da salada com as faces mutiladas voltadas para baixo. Levou a travessa para a mesa com os olhos baixos, a qualquer momento seria descoberta.
- Que bela salada!
Lúcia ruborizou e abriu a latinha de cerveja. Estava quente.
- Você sabe como nós sentimos falta das suas visitas e do molho de salada que só você sabe fazer, né filha?
- Você está namorando alguém, Lúcia?
- Não, mamãe, não estou namorando.
- Você não acha que já passou da idade para só ficar?
- Depende do que você entende como ficar.
- Vocês duas já vão começar?! Trégua, pelo-amor-de-deus, pelo menos no almoço de domingo.
- É só preocupação, nada demais. Quando a gente quer bem aos filhos, a gente se preocupa, é natural. Um dia você vai ser mãe e saberá.
- Vocês não acham que eu passei da idade para ter pais preocupados comigo?
- Não precisa ser ríspida com a tua mãe.
- Passa a salada? Lúcia, você esqueceu de pôr vinagre na água onde ferveu os ovos de codorna...
- Vinagre? Para quê?
- Para não estourarem, olha como ficou, tudo lascado. Imagina se tivéssemos visitas! E não era para você ter usado a panela de esmalte para ferver os ovos. Você não lembra que há uma panelinha só para isso?
- Não.
- Você está muito desatenta, querida. Seu pai também está preocupado contigo, pediu para você apagar o fogo do aipim e você esqueceu.
Lúcia engoliu o almoço, dirigiu-se ao seu antigo quarto, fechou a porta, respirou fundo e acendeu um cigarro. Estranha sensação de voltar àquele quarto, que já não era mais dela e nem era outra coisa. Decidiu entrar na internet.
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