Cena 1 – O casal feliz
O táxi pára em frente ao terminal de embarque doméstico. O motorista sai do carro, retira as malas do bagageiro e as coloca no chão do aeroporto. O casal divide o valor da corrida.
Bruno observa a mala de Lúcia:
- Que linda tua mala!
Lúcia, sorrindo, puxa a mala de rodinhas para dentro do saguão.
Bruno:
- Cor-de-laranja, você é mesmo um charme!
Estalinho nos lábios de Lúcia. Entram na fila do check in. Riem. Abraços e carinhos. Viajantes entediados observam o casal feliz.
Cena 2 – O pensamento
Na aeronave, à espera da autorização para a decolagem. O casal de mãos dadas, lado a lado. Lúcia, olhando as asas do avião:
- (Posso morrer daqui a pouco. Se for hoje, morrerei satisfeita com minha vida?)
O cheiro acre e penetrante da aeronave embrulha o estômago de Lúcia.
Bruno, folheando disciplicentemente uma revista de bordo:
- (...)
- (Em que estará pensando agora?)
Cena 3 – O peso
O avião pousa. Lúcia:
- Lindo, como vamos para a casa dos teus irmãos?
- Há um ônibus que pára a três quadras do prédio. Temos pouca bagagem, será simples.
Lúcia sobe no ônibus carregando a própria mala:
- (Está um pouco pesada).
O trocador a ajuda a passar pela roleta.
Descem. As rodinhas da mala por vezes travam nos sulcos das calçadas irregulares por onde andam. A mala tomba para o lado, mas Lúcia consegue mantê-la andando.
Cena 4 – A escada
- O prédio não tem elevador?
- Não. São só dois lances de escada.
Lúcia carrega a mala com certa dificuldade.
- Bruno, você pode me ajudar?
Ele fecha a cara e arrasta a mala laranja escada acima.
Lúcia, encantada com o apartamento dos irmãos de Bruno:
- Que cômodos amplos!
Trepam sob a ducha do banheiro de ladrilhos antigos.
Sobre o botão da descarga um pequeno cartaz escrito à mão com pilot vermelho: ‘Evite entupimentos: não jogue o papel na privada e aperte o botão até o final’.
Cena 5 – A festa
- Vovó, esta é minha namorada, Lúcia. Ela veio especialmente para os teus noventa anos.
- Parabéns, dona Lenny. É uma data muito especial. A senhora está muito bem. Que lindo vestido!
- Obrigada por terem vindo.
- Vovó, a Lúcia sabe falar alemão. Lú, fala aí alguma coisa pra vovó.
- Ai, Bruno, deixa disso... faz tempo que não pratico...
A velha tira os óculos de leitura e olha bem para Lúcia:
- Mas sua namorada não tem cara de que fala alemão!
Os alemães mais velhos da colônia comem, bebem e conversam sem sorrir. Lúcia saboreia a carne sangrenta, está no ponto em que gosta. Antes de ir embora, vai ao banheiro, se olha no espelho de corpo inteiro e se acha bonita.
Cena 6 – Sob o fundo cinza do céu
Depois do almoço, Bruno e seus irmão irão mostrar a Lúcia a serra onde vivem os colonos alemães. Nuvens baixas. Choverá a qualquer momento e a floresta de pinus desaparecerá. Uma renda de gotículas d’água cobrirá a torre da igreja do vilarejo. Um cemitério colorido despontará no horizonte. Fascinada, Lúcia pedirá para descer do carro e dirá:
- Como é lindo!
Aproximar-se-á dos jazigos. Flores de plástico de todos os tipos e tamanhos decorarão os túmulos de mármore. Rosas amarelas para Ottilie Becker (9-01-1926 † 13-06-1932), gerânios azuis e florzinhas lilazes sobre Silvania Heinen (24-01-1938 † 05-07-1939), hortênsias vermelhas para Ana Carolina Rohlfes (15-01-2005 † 15-01-2005).
Cores vivas de plástico inerte reluzirão sobre o leito das meninas mortas.
Cena 7 – Conversa no restaurante
- Não gostei quando você me pediu para eu carregar tua mala.
- Por que não, Bruno?
- Porque isso é muito machista – “o homem deve carregar a mala da mulher”. Esse tempo já passou.
- Não é machista, é uma questão de gentileza com quem você gosta.
- Mas eu não quero segurar tua mala. Carreguei no primeiro dia a contragosto.
- Você carregou só para subir a escada e só porque eu pedi.
- Pois bem, não quero mais a mala.
- Mas é uma mala leve, de rodinha. Você mesmo comentou que gostou dela.
- A mala é tua. Não sou obrigado a carregá-la.
- Mas por que você está invocando este assunto da mala justo agora?
- Porque me incomodou você querer que eu leve tua mala.
- Mas eu continuo querendo que você leve a minha mala.
- Você não pode querer isso.
- Claro que posso. Posso querer o que quiser.
O táxi pára em frente ao terminal de embarque doméstico. O motorista sai do carro, retira as malas do bagageiro e as coloca no chão do aeroporto. O casal divide o valor da corrida.
Bruno observa a mala de Lúcia:
- Que linda tua mala!
Lúcia, sorrindo, puxa a mala de rodinhas para dentro do saguão.
Bruno:
- Cor-de-laranja, você é mesmo um charme!
Estalinho nos lábios de Lúcia. Entram na fila do check in. Riem. Abraços e carinhos. Viajantes entediados observam o casal feliz.
Cena 2 – O pensamento
Na aeronave, à espera da autorização para a decolagem. O casal de mãos dadas, lado a lado. Lúcia, olhando as asas do avião:
- (Posso morrer daqui a pouco. Se for hoje, morrerei satisfeita com minha vida?)
O cheiro acre e penetrante da aeronave embrulha o estômago de Lúcia.
Bruno, folheando disciplicentemente uma revista de bordo:
- (...)
- (Em que estará pensando agora?)
Cena 3 – O peso
O avião pousa. Lúcia:
- Lindo, como vamos para a casa dos teus irmãos?
- Há um ônibus que pára a três quadras do prédio. Temos pouca bagagem, será simples.
Lúcia sobe no ônibus carregando a própria mala:
- (Está um pouco pesada).
O trocador a ajuda a passar pela roleta.
Descem. As rodinhas da mala por vezes travam nos sulcos das calçadas irregulares por onde andam. A mala tomba para o lado, mas Lúcia consegue mantê-la andando.
Cena 4 – A escada
- O prédio não tem elevador?
- Não. São só dois lances de escada.
Lúcia carrega a mala com certa dificuldade.
- Bruno, você pode me ajudar?
Ele fecha a cara e arrasta a mala laranja escada acima.
Lúcia, encantada com o apartamento dos irmãos de Bruno:
- Que cômodos amplos!
Trepam sob a ducha do banheiro de ladrilhos antigos.
Sobre o botão da descarga um pequeno cartaz escrito à mão com pilot vermelho: ‘Evite entupimentos: não jogue o papel na privada e aperte o botão até o final’.
Cena 5 – A festa
- Vovó, esta é minha namorada, Lúcia. Ela veio especialmente para os teus noventa anos.
- Parabéns, dona Lenny. É uma data muito especial. A senhora está muito bem. Que lindo vestido!
- Obrigada por terem vindo.
- Vovó, a Lúcia sabe falar alemão. Lú, fala aí alguma coisa pra vovó.
- Ai, Bruno, deixa disso... faz tempo que não pratico...
A velha tira os óculos de leitura e olha bem para Lúcia:
- Mas sua namorada não tem cara de que fala alemão!
Os alemães mais velhos da colônia comem, bebem e conversam sem sorrir. Lúcia saboreia a carne sangrenta, está no ponto em que gosta. Antes de ir embora, vai ao banheiro, se olha no espelho de corpo inteiro e se acha bonita.
Cena 6 – Sob o fundo cinza do céu
Depois do almoço, Bruno e seus irmão irão mostrar a Lúcia a serra onde vivem os colonos alemães. Nuvens baixas. Choverá a qualquer momento e a floresta de pinus desaparecerá. Uma renda de gotículas d’água cobrirá a torre da igreja do vilarejo. Um cemitério colorido despontará no horizonte. Fascinada, Lúcia pedirá para descer do carro e dirá:
- Como é lindo!
Aproximar-se-á dos jazigos. Flores de plástico de todos os tipos e tamanhos decorarão os túmulos de mármore. Rosas amarelas para Ottilie Becker (9-01-1926 † 13-06-1932), gerânios azuis e florzinhas lilazes sobre Silvania Heinen (24-01-1938 † 05-07-1939), hortênsias vermelhas para Ana Carolina Rohlfes (15-01-2005 † 15-01-2005).
Cores vivas de plástico inerte reluzirão sobre o leito das meninas mortas.
Cena 7 – Conversa no restaurante
- Não gostei quando você me pediu para eu carregar tua mala.
- Por que não, Bruno?
- Porque isso é muito machista – “o homem deve carregar a mala da mulher”. Esse tempo já passou.
- Não é machista, é uma questão de gentileza com quem você gosta.
- Mas eu não quero segurar tua mala. Carreguei no primeiro dia a contragosto.
- Você carregou só para subir a escada e só porque eu pedi.
- Pois bem, não quero mais a mala.
- Mas é uma mala leve, de rodinha. Você mesmo comentou que gostou dela.
- A mala é tua. Não sou obrigado a carregá-la.
- Mas por que você está invocando este assunto da mala justo agora?
- Porque me incomodou você querer que eu leve tua mala.
- Mas eu continuo querendo que você leve a minha mala.
- Você não pode querer isso.
- Claro que posso. Posso querer o que quiser.
Cena 8 – No táxi
- Chegamos. Vamos subir? Lúcia, você não vai descer do táxi?
- Motorista, espera aqui embaixo que eu vou lá em cima pegar minha mala.
O taxista a espera na portaria do edifício. Lúcia desce com sua mala laranja de rodinhas, entra no táxi e senta-se no banco da frente.
- A senhorita vai para onde?
- Conhece algum hotel aqui na cidade?
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